4 de dezembro de 2010



O cais ondula com a maré inquieta. A noite, invariavelmente fria, invade-nos as mãos e a parte do rosto que não está a sonhar. Atrás de nós está uma cidade que se prepara para retomar o seu lugar dentro do seu búzio. A cidade é uma pérola, pois. Fomo-la beber como dois estranhos e encantamo-nos com a música que primeiro foi silêncio e depois veio atrás de nós dizer-nos que afinal o mundo não é assim tão grande e que foi criado para que nos encontrássemos.
O cais ondula com a maré inquieta e cala a chuva fina, talvez por isso parece não haver mais ninguém. Apenas uma máquina capaz de nos aquecer o cansaço. Um chocolate quente instantâneo. Naquele contexto o melhor chocolate quente do mundo. Nosso. E depois as nossas histórias, cada uma com a sua margem de tristeza e alegria. Até chegar à hora do barco dizer que um cais não serve de casa para nenhum sonho. Que pena.

2 de dezembro de 2010





vou-te falar das flores de sol
dessas que ficam tão bem dentro de
uma casa

e digo (apenas isto):

pudéssemos nós guardar
a luz do dia

e nunca sonharíamos de
olhos fechados

1 de dezembro de 2010





o destino é um caminho que
levas à frente
da tua sombra

vê-lo se estendendo
como um dia para ler devagar

acenando ao fundo
com uma improvável luz

e vais seguindo
sempre fiel ao teu sonho

pensares que tu é que escolhes
a casa aonde queres chegar

quando talvez a casa sempre
existiu

pronta para te receber

30 de novembro de 2010




há uma rua aonde levamos
a nossa história interdita

e depois passeamos
sem tempo
nem rumo

à espera de um café
aberto

onde alguém se lembre
de tom jobim

e esqueça que é quase
inverno

28 de novembro de 2010







vou à janela
a todas as horas
deste tempo
triste

sem ti
a vida naufraga
lentamente

e é uma casa
inundada

em silêncio

26 de novembro de 2010





depois de "mutual friend" de neil hannon




estás do outro lado da rua
quase numa outra cidade
num outro hemisfério de silêncio

mas basta-me um instante
um prefixo do teu olhar

para sentir que o mundo todo
cabe na minha mão

se é lá que eu guardo
como quem esconde um berlinde

o beijo que te queria dar



veneza, à noite (depois de o mundo acabar)


estamos à espera
que a noite se arredonde

somos dois pássaros
sem vontade de voar

por isso caminhamos lentamente
através das ruas

subindo às janelas
com a água refulgente
do chão

adivinhando a música
da esquina seguinte

uma valsa de silêncio
acompanhando as histórias
das nossas vidas

e vemos que não somos assim
tão diferentes

cada um de nós
chorou já a sua porção
de tristeza

cada um de nós
conhece já este mundo
que podia acabar agora

e deixar-nos esta cidade
só para nós

23 de novembro de 2010





queria um amor que fosse assim
uma porção de silêncio
perfeito

à espera de uma
canção