28 de setembro de 2009

versão 4 (mais um detalhe à procura do fim)

o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor

saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão

inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou


o vestido que trazes arruinou a sua bainha e desfiou-se a chorar

parece um jornal amarrotado uma película translúcida de silêncio

deixando ver as feridas nos joelhos o coração resistindo ao vento


passou de moda porque deixaste de te despir com a luz acesa

e o espelho já não alcança a parede onde havia um outro retrato


já não te serve porque esqueceste de mudar a água aos girassóis

e agora há uma escuridão que se enovela à volta da tua tristeza

pesando sobre os teus olhos como uma pedra tirada a um poço

ou uma música de embalar de onde se perdeu a letra e o sonhar


o vestido que trazes está perfumado de pérolas que se partiram

num excesso das sombras que musicam a vaivência da solidão


e dói como dói

VERSÃO 3 (DEDICADA À SANDRA)


o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor

saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão

inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou


o vestido que trazes arruinou a sua bainha e desfiou-se a chorar

parece um jornal amarrotado uma película translúcida de silêncio

deixando ver as feridas nos joelhos o coração resistindo ao vento


passou de moda porque deixaste de te despir com a luz acesa

e o espelho já não alcança a parede onde havia um outro retrato


já não te serve porque esqueceste de mudar a água aos girassóis

e agora há uma escuridão que se enovela à volta da tua tristeza

pesando sobre os teus olhos como uma pedra tirada a um poço


24 de setembro de 2009



DO POEMÁRIO DO POEMÁRIO...

Partilho convosco a construção deste poema, momento a momento, até ser alguma coisa, próxima daquilo que foi o seu sonho.


DIA UM:



o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor

saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão

inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou


o vestido que trazes já não é teu há tanto tempo que o seu pretérito

é mais perfeito que a primeira vez que deixaste de ser transparente



DIA DOIS:



o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor

saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão

inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou


o vestido que trazes arruinou a sua bainha e desfiou-se a chorar

parece um jornal amarrotado uma película translúcida de silêncio

deixando ver as feridas nos joelhos o coração resistindo ao vento


passou de moda porque deixaste de te despir com a luz acesa

e o espelho já não alcança a parede onde havia um outro retrato


21 de setembro de 2009



há uma criança brincando no baú das memórias

devastando o silêncio solene do esquecimento

de repente as coisas que antes eram portas fechadas

agora são cores que nos libertam da dor de morrer



17 de setembro de 2009




porque lá fora talvez encontres a razão de teres acordado
olhas da janela como se ainda não soubesses quem és

mas a verdade é que não vale a pena perder tempo à procura
daquilo que certamente trouxeste atado às mãos

um nome de um lugar que sonhaste esta noite
e uma casa noutro lugar onde tudo podia ser diferente

excepto o teu nome com cheiro de rosas e precipício de mar
capaz de abraçar o céu e inventar uma nova palavra

por isso fá-la tua e escreve um caminho na tua manhã

e sai

10 de setembro de 2009


UM POEMA PARA O PAI DO PAULO E PARA A MÃE DA PAULA



a árvore da vida assenta no chão fecundo do amor
e à volta dela todas as pequenas coisas contam
se o coração é puro e as asas continuam por achar

a árvore da vida cresce no meio das nossas promessas
e deixa-nos à sombra daquilo que poderíamos ter sido

a árvore da vida tem frutos que são pássaros
e pássaros que são palavras refulgentes

os nomes que havemos de dar aos nossos filhos
ou os livros com que o nosso ventre
há-de aprender a cerzir outra forma de sermos eternos

a árvore da vida é o passadiço para a morte subir até deus e dizer
afinal nada tem um fim e tudo isto é apenas outra forma de viver






(porque o peso das palavras é grande
preferia o abraço)

9 de setembro de 2009




capacito-me para o fim do verão
recolhendo as últimas imagens

cosendo as partes líquidas de um naufrágio
que se faz de uma tentação sem oceano

e adormeço antes que a noite se arboresça sobre nós
antes que a música se cale

e o frio regresse

5 de setembro de 2009





vejo-te como uma palavra a quem ainda não se deu um nome
uma altíssima constelação
cega do peso todo da noite

e no entanto quero abraçar-te
render-te nas minhas mãos e contar-te os lugares onde fui ver
se o mundo era apenas um búzio fechado

revela-te abre uma boca no teu rosto e diz-me
se és rosa papel argila ou pedra

que eu estou cego e já não vejo para além
da luz inicial da paixão