4 de dezembro de 2010



O cais ondula com a maré inquieta. A noite, invariavelmente fria, invade-nos as mãos e a parte do rosto que não está a sonhar. Atrás de nós está uma cidade que se prepara para retomar o seu lugar dentro do seu búzio. A cidade é uma pérola, pois. Fomo-la beber como dois estranhos e encantamo-nos com a música que primeiro foi silêncio e depois veio atrás de nós dizer-nos que afinal o mundo não é assim tão grande e que foi criado para que nos encontrássemos.
O cais ondula com a maré inquieta e cala a chuva fina, talvez por isso parece não haver mais ninguém. Apenas uma máquina capaz de nos aquecer o cansaço. Um chocolate quente instantâneo. Naquele contexto o melhor chocolate quente do mundo. Nosso. E depois as nossas histórias, cada uma com a sua margem de tristeza e alegria. Até chegar à hora do barco dizer que um cais não serve de casa para nenhum sonho. Que pena.

2 de dezembro de 2010





vou-te falar das flores de sol
dessas que ficam tão bem dentro de
uma casa

e digo (apenas isto):

pudéssemos nós guardar
a luz do dia

e nunca sonharíamos de
olhos fechados

1 de dezembro de 2010





o destino é um caminho que
levas à frente
da tua sombra

vê-lo se estendendo
como um dia para ler devagar

acenando ao fundo
com uma improvável luz

e vais seguindo
sempre fiel ao teu sonho

pensares que tu é que escolhes
a casa aonde queres chegar

quando talvez a casa sempre
existiu

pronta para te receber

30 de novembro de 2010




há uma rua aonde levamos
a nossa história interdita

e depois passeamos
sem tempo
nem rumo

à espera de um café
aberto

onde alguém se lembre
de tom jobim

e esqueça que é quase
inverno

28 de novembro de 2010







vou à janela
a todas as horas
deste tempo
triste

sem ti
a vida naufraga
lentamente

e é uma casa
inundada

em silêncio

26 de novembro de 2010





depois de "mutual friend" de neil hannon




estás do outro lado da rua
quase numa outra cidade
num outro hemisfério de silêncio

mas basta-me um instante
um prefixo do teu olhar

para sentir que o mundo todo
cabe na minha mão

se é lá que eu guardo
como quem esconde um berlinde

o beijo que te queria dar



veneza, à noite (depois de o mundo acabar)


estamos à espera
que a noite se arredonde

somos dois pássaros
sem vontade de voar

por isso caminhamos lentamente
através das ruas

subindo às janelas
com a água refulgente
do chão

adivinhando a música
da esquina seguinte

uma valsa de silêncio
acompanhando as histórias
das nossas vidas

e vemos que não somos assim
tão diferentes

cada um de nós
chorou já a sua porção
de tristeza

cada um de nós
conhece já este mundo
que podia acabar agora

e deixar-nos esta cidade
só para nós

23 de novembro de 2010





queria um amor que fosse assim
uma porção de silêncio
perfeito

à espera de uma
canção

22 de novembro de 2010




vivaldi at chiesa san giacometto with laetitia and karin


some say music comes from
heaven

some say angels inspire
light into violins and cellos
and violas

and then they start to
spread sound as poetry

but you know well
music comes from
hands on fire
hands on silky tenderness

hands floating and catching
the perfect harmony of art

hands keeping safe from harm
our dreams and our
hearts

18 de novembro de 2010




venice, at night




you can not miss
if your love
is a candle
in the evening rain

you can not miss
if words
are sweet songs
who give us wings

you can not miss
if you have an arm and a hand
that will extend
your heart




Veneza (em lá estando - II)



o que o homem faz de melhor
é acrescentar espaço
onde antes havia apenas um lugar

e o lugar passou a ser uma candeia
para iluminar a noite
da tristeza

e a candeia passou a mostrar o caminho
à musica

e a música está agora
no meu coração



(Veneza, em lá estando)


nada do que dizem pode ser verdade
porque a verdade flutua e muda
conforme olhamos
a cidade

e se é tudo água
todo o resto é água também

não porque chove
ou porque o grande canal
amansa as horas

é porque a ausência de ruído
acalma e acaricia

conforta e aproxima

até não querermos mais estar sós
e abraçar a primeira pessoa que vemos

15 de novembro de 2010




VENEZA (antes de lá ter estado)



parece-me plana
com altos cumes de luz
invadindo o rosto da manhã

parece-me serena
com ondulação de música antiga
flutuando todas as pessoas
até não serem mais que poemas
boiando no grande canal

parece-me mulher
una donna
olhando-me com uma boca doce
e o corpo carregado de água

11 de novembro de 2010




desenha na mão uma estrela
e saberás que é impossível esquecer
a palavra que deves resgatar
do silêncio



(para o carlos luis)

10 de novembro de 2010





enquanto ouvíamos um disco de frank sinatra
deixamos tudo por fazer

ficamos sentados a abrir uma página em branco
no nosso tempo

e depois olhá-la como quem espera desenhar
toda uma vida

com todas as correcções
e com todas as coisas que julgamos
ser fundamentais

nós os dois e uma música
leve

leve

leve

i got a woman crazy for me
she's funny that way





6 de novembro de 2010






Este blogue faz hoje sete anos. Apetece-me festejar e dizer que aqui encontrei alguns amigos. Bem bom!

3 de novembro de 2010





apenas a música desta vez
a falar

de ti



faço o filme na palma da minha mão e trago para junto de mim
um piano com yann thiersen

a música é suave flutuarejante redonda

estou à tua espera
e aperto o meu coração para não te amar demais

chegas a entristecer aos bocados
(nunca quiseste ser triste à minha
beira)

pergunto-te como é possível
teres o coração tão apressado
se voas como um pássaro delicado
numa folha de papel

choras-me em silêncio o relógio que perdeste
(era nele que vias o tempo
de estarmos perto)

tinha matrioscas
e assim como assim
um tempo secreto dentro do nosso tempo secreto

tinha matrioscas que se iam enroscando
até não termos de pensar no amanhã

mas perdeste esse relógio
e eu não pude fazer nada

mesmo que anos depois
continue a ir de marcha a ré
procurando pelo chão o tiquetaque que perdemos

não volta ao teu pulso
nem a tua mão à minha

25 de outubro de 2010



erguemos a nossa casa
no meio do jardim

demos-lhe a água da luz
e a seda do jasmim

fizemos dos gatos nossas janelas
e do verão nossa poesia

e se borboletas houve que nos visitaram
elas eram o movimento do dia

22 de outubro de 2010



digo-te que a música é o perdão de deus
pelo nosso tamanho

que deixamos assim de ser apenas
pétalas que prosperam
pedras que regulam a altura do chão

e que voamos e chegamos onde moram os anjos
para perguntar porque temos de voltar

17 de outubro de 2010



tenho dois gatos em casa
cada um com a sua janela magnífica
sobre o coração do outono

tenho dois gatos em casa
dois poemas que se aninham no meu colo

6 de outubro de 2010



podia dar-te tudo quanto vi
ou apenas uma memória

um momento
um estarrecimento

qualquer coisa de nada
que me tenha arrepiado
as mãos

(como quando me vi
com o pollock
pela primeira vez)

17 de setembro de 2010





naquele dia escrevi-te um poema de amor
um poema de amor tão longo que poetas houve neste mundo
que não escreveram livros inteiros tão longos

um poema que tinha três quatro palavras
(tão longo nem lembro bem)
três ou quatro palavras que se repetiam
repetiam e repetiam
ao expoente da loucura e da eternidade

e nesse dia deixaste de ser apenas um desejo
uma mulher posando rosa ou buganvília no jardim de outra casa
um perfume a esvair-se de ar e água
sempre tão efémero
sempre tão pequeno

8 de setembro de 2010

Se tiverem curiosidade, poderão espreitar como vai o meu próximo livro, vencedor do Prémio de Poesia Manuel Alegre. Não sei ainda quando será publicado, dado que o IPL detém os direitos da primeira edição da obra.






para ti as rosas
como as que ricardo reis
cuidava

sozinho ou desatado
do seu lugar no mundo

para ti as rosas
como as que ricardo reis
perfumava

com a fina tristeza
de saber que o tempo 
consome a poesia

e todas as palavras
do amor





um inverno assim
quando o cansaço
redemora o pulso da respiração

ou a tristeza está nas mãos
que arrefecem
com o fim do dia

um inverno assim
com o mar feito 
de algodão e água de música

e o fim da tarde
alagando a distância
e o vazio




numa noite como esta são transparentes as flores
e equidistantes os esquecimentos e as candeias
com que vemos ao longe os nossos primeiros passos

numa noite como esta o tempo pensa na eternidade
e todos os horizontes vêem a sua morte adiada
como as árvores têm música quando chega abril

numa noite como esta é possível encontrar o amor
como se deus viesse de novo ocupar a sua casa
e pôr no sítio certo as palavras deixadas ao acaso 

numa noite como esta em que ambos adormecemos
como na última noite em que a nossa infância se deitou

voltamos a acreditar que a lua é apenas outro anjo
outro cavalo outro baloiço outro sorriso outra oração


31 de agosto de 2010





em setembro ponho o meu corpo sobre o relvado do jardim
como um lençol de linho quase muito antigo
aproveitando as últimas gotas do sol do verão

e fico ali pasmado com o lento recuar do dia
e alguns pássaros que começam a voar
tranquilos de não terem ainda de morrer

em setembro começo a poupar nas palavras
e amealho na boca todos os frutos que imagino caírem ao chão

acredito então que um poema pode ser como um doce
no pão ressequido do silêncio





22 de junho de 2010





vou desistir desta ilha de silêncio e de sabores de prata
vou desamordaçar os meus sentidos de tanto preto e branco
e o amor vou soltá-lo da palavra
da árvore e do chão

vou para o sul do sul
vou com os pássaros que vão passando velozes
e mesmo assim reparam em mim

como um poste solitário no meio do nada
com o corpo do avesso e o coração parado

28 de maio de 2010



esse rio na selva é o único poço onde podes ser transparente
o rio que te obriga a despir a inquietação de seres pequeno
e te permite ser deus com apenas dois remos e uma candeia

nessa viagem compreendes as coisas que sempre te pesaram
aceita-las como quem concorda com a hora da morte e sorri
esvazia os bolsos e acrescenta os trocos mal geridos da vida

o rio é muito mais que uma artéria serpenteando e circulando
corpo de água que nunca irrompeu nem nunca se dissolveu
escrinventando nas margens as raízes com que o teu silêncio
há-de crescer até ser a única meditação que te arrepia a pele

os teus sentidos são uma chama que respira nas tuas mãos
fechas as mãos e apagas tudo quanto te desacomoda a alma

e depois és igual a uma canoa que prospera na escuridão
um corpo que é um poema líquido doçura solvente de sonho






in "um segundo é passado" daniel gonçalves 2010

14 de maio de 2010




assim como quem se deita na terra e fica a olhar o céu
sem nenhum peso no olhar
além do conforto de saber que as nuvens jamais cairão sobre nós

assim como quem mergulha no mar
e se deixa ir ao fundo
recolhendo a imensa paz que vem de sermos apenas uma gota

assim como quem se cala na imensa catedral do silêncio
e fica a escutar um a um o sopro que o coração debita sobre
os nossos sonhos

assim desta maneira
me guardo para ti

para estar limpo e inviolável
na hora de te abraçar



(Susana, desculpa ter passado a hora de te dizer os parabéns: mas tu sabes que o meu amor por ti não tem hora, nem dia...)

6 de maio de 2010


como um búzio perfeito proteges o teu coração
deitas-te na terra e escutas o primeiro sinal do amor

enquanto o mundo procura arrancar-te as asas
e dilacerar-te com o silêncio o ardor do teu desejo

19 de abril de 2010







tanta coisa à minha volta tudo sempre girando
tanta coisa para saber tanta coisa para aprender

e tanto te posso contar tanto te posso ir revelando
tanta coisa de tanta coisa que nem eu sei dizer

tudo isto tem um nome? tudo isto tem um lugar?
de onde vem tudo isto? hei-de um dia saber?

para tudo há um propósito com tudo te vais admirar
que a vida é um mistério que fica por responder...

achas que sou capaz de chegar ali? e ali? ali e ali?
quero ir a todo o lado... a todo o lado quero chegar...

tu és grande... vais ver que a grandeza está em ti...
às vezes basta fechar os olhos e querer sonhar...

10 de abril de 2010




antes era sempre tudo melhor
havia todo o espaço do mundo à nossa frente
agora esse espaço somos nós
a ocupar cada centímetro quadrado desse sonho
e ver que não sobra espaço para acordarmos

antes era sempre tudo melhor
até aquilo que ainda não era
que agora há este travo amargo na boca
de termos deixado arrefecer a comida
e o vinho ter azedado para lá da embriaguez

antes era sempre tudo melhor
davas-te conta que eu existia em toda a tua volta
e agora apenas tropeças em mim
se tens de correr para adormecer sozinha
ou precisas de alguém para te pintar a casa

antes era sempre tudo melhor
por isso se morrer agora não me importa nada
fui feliz antes de o ser e pude antecipar
com a triste amargura de quem sabe
que nada se repete nem nada se aperfeiçoa

4 de abril de 2010







Há uma casa. A casa é pequena e as suas janelas ainda a fecham mais porque o que se vê lá fora é muito longe. Dentro da casa estão os livros e a música que toca sem ocupar espaço nas prateleiras. Dentro da casa metade das coisas podiam arder agora mesmo. Ele não chorava. Ele está parado a pensar se há-de dormir ou pegar fogo a metade das coisas que o rodeiam. Pegava em tudo e fazia uma escada de fogo até ao céu, bem no centro do ainda mais pequeno jardim, acabando de vez com a azálea que nunca deu flor.
Ele está a pensar em tudo isto e dá-se conta que isso tudo é afinal mais uma porção do nada que foi o seu dia. Um dia empurrando a carroça pesada do silêncio. O estar só. O querer estar só como uma sobriedade arrancada à força do chão, com pouca terra a sujar as mãos, apenas uns fios transparentes, lembrando raízes de água. Ele fecha o livro. Nunca mais o acaba. É pesado para as suas mãos cansadas. Passaram o dia a medir o desconsolo dos olhos e da boca, quem sabe dos ombros que já não carregam mais nada. O tempo. Apenas o tempo que passa tão devagar, tão devagar... que dava para lhe sentir o gosto a eternidade.

27 de março de 2010





a primavera hoje deu de si e esvaziou o seu coração de chuva
sobre mim

estou agora como uma flor de lótus do avesso
mergulhada na irrespiração do silêncio

estou agora como uma árvore sem nome
sem sombra

à espera do verão



26 de março de 2010





talvez nunca tenha amado
talvez nunca tenha saído deste círculo
onde o amor é uma fotografia boiando numa fonte

talvez nunca tenhas sido mais que uma canção
daquelas que nos repartem o coração
com o lado mais inclinado do silêncio

talvez tenha perdido tempo à espera de saber
se o amor é aquilo que nos prende à vida
e se a morte é apenas outra inspiração

talvez nunca tenha amado
talvez tenha esquecido que amar
é uma sorte que apenas chama os loucos

e que os loucos lembram tão mal
que são felizes

23 de março de 2010

DUAS SEQUÊNCIAS DEPOIS DE "MARY & MAX"





há sempre alguém que tem uma vida miserável
muito mais que a tua
e mesmo que morras há sempre alguém que morre ainda mais que tu

há sempre alguém que despercebe o mundo mais do que alguma vez
despercebeste

há sempre alguém que tem mais dúvidas que tu e nessas dúvidas
consegue sonhar mais do que alguma vez sonhaste

há sempre alguém do outro lado do mundo
a ver as mesmas coisas que tu

e nesse lado do mundo fica a pensar que o mundo
não passa daquela porta

há sempre alguém muito mais pequeno que tu
tão pequeno que consegue ser ainda mais nada que tu

por isso faz a única coisa que te pode salvar
vá lá

come um chocolate
UM DIA NA PRAIA



um dia na praia havemos de contar as vezes
que fomos felizes

teremos o mar que for preciso
para compor o que nos faltou

e o tempo de uma tarde que finge ser eterna
para nos anteciparmos à morte
e desenharmos o resto da nossa vida

18 de março de 2010

sei que não vale a pena dizer nada
o nada está feito do que é

PENSAMENTO COM AGATHA BELAYA (para a Sandra)



a nossa casa podia ser do tamanho das vezes que a quisemos grande
uma enorme cúpula de água sobre o nosso amor

ou apenas uma janela aberta

e uma cadeira para escutarmos a primavera lá fora
e ronronarmos com o perfume de não haver mais nada

15 de março de 2010





VOU DIZER-TE ESTE QUADRO DE CHAGALL



primeiro: eu estou no quadro e sou tudo quanto vês
a aparente felicidade o amor umbilical a minha juventude
exposta como uma buganvília que ganha asas de um dos lados da casa

segundo: tu também estás no quadro mas não és a óbvia mulher que flutua
estás no meu coração onde te sou fiel
e o teu nome é o poema contínuo que não me deixa morrer

terceiro: uma cidade ou uma aldeia que importa agora
se estamos a meio do verão
com tempo para ver crescer a ilusão de que somos eternos





14 de março de 2010




há muito que eu não sou um corpo
sou uma ilha

e no centro de mim tenho um mar que se afunda
e me alisa o rosto

aos poucos vou encolhendo como um vestido
que se usou na comunhão solene

e não falta muito deixará de servir
e não falta muito será apenas uma recordação

muito antiga

11 de março de 2010


imagem de piinnkkii



o que faz de mim um bom ou um mau poeta?
o grande poeta dizia que como ele havia cem mil génios se concebendo em sonhos
e eu nem isso

os meus sonhos são mais simples:
tenho um pomar libertado ainda ontem no meu quintal
fruta que há-de dar sombra e água na boca do chão

contudo sou poeta
dizem-me que ando distraído e perdoam-me por isso
e por causa disso também me sorriem como se eu fosse anormal
acenando às nuvens ou às flores ou a outra coisa
que prenda o olhar dos distraídos

bom ou mau? quem diz afinal?
o próprio poema quando se perfila contra o silêncio
o blogue do crítico a selecção do jornal
ou o telefonema do editor a dizer que a dívida está paga?

8 de março de 2010




basta pensar no teu nome no teu nome rodeado pelo teu rosto
e as tuas mãos como água na minha boca
calando para sempre a minha tristeza

basta pensar no teu lilás profundo na noite maravilhosa
eterna como cada vestido que tiras do teu coração

basta pensar na música (uma estação de metro no deserto da noite
e uma cidade vazia) e a nossa dança tão ansiosa por chegar a casa

basta pensar no tempo que foi nosso e na nossa vida
passada num instante de quase nada
basta ter havido o teu amor

(bastou isso)

5 de março de 2010




Mais uma vez tive o prazer de fazer parte de um programa da RTP Açores e desta vez foi no formato do programa PROVA DAS NOVE. O responsável pelo convite foi o jornalista e escritor Rui Goulart: a ele o meu agradecimento e louvor pela qualidade do programa. Confesso que estava muito ansioso (leia-se nervoso) pois aquilo era em directo e os temas algo distantes daquilo que motiva o poeta e, afinal de contas, terá sido o poeta a ser convidado. Fica aqui um cheirinho.


26 de fevereiro de 2010


Reportagem Telejornal (24 de Fevereiro)



Amigos, não é por vaidade que partilho isto... mas há tanta gente por terras de Viriato que me tem pedido para ver as reportagens da RTP Açores acerca do que vou fazendo por cá. Aqui vai. Com um abraço e muita saudade, como sempre.


Reportagem Telejornal (22 de Fevereiro)




Apontamento no programa "Bom Dia Açores"

19 de fevereiro de 2010


ir ao musée d'orsay é colher um lenço enorme de seda
que nos cobre as lágrimas quando nos cortamos
ou nos dói a tristeza (a nossa ou a de alguém que nos
deu a mão para que a escutássemos - respirando com dificuldade
porque a ferida nasce no coração e sai pelos sete buracos da cabeça)

foi assim há dois verões: lembro-me como se fosse agora mesmo
o degas e os outros todos mas sobretudo o degas e as suas bailarinas
tão pequeninas tão rodopiantes tão vivas tão azuis

neste momento preciso tanto dessa memória alada
preciso que ela me ajude a aquecer este chá de tília
(o mesmo que tomavas quando resumias o lado mais infeliz da tua vida)

preciso que degas me acompanhe neste silêncio
e me murmure pelo menos uma palavra que aqueça este inverno

uma palavra que podia ser um movimento um perfume uma chama
uma palavra que coubesse na minha mão e te ajudasse a correr de novo
e se calhar conseguisse que o teu coração voltasse a ser grande
maior que o teu corpo inteiro

essa árvore com que chegas ao céu e ficas à procura dos teus anjos




PARA A AUGUSTA

18 de fevereiro de 2010

APRESENTAÇÃO DA OBRA " rumores para a transparência do silêncio" em destaque no programa AÇORES VIP (RTP AÇORES)



Esta semana fui distinguido com o Prémio de Poesia Manuel Alegre (Instituto Politécnico de Leiria)! Sinto-me muito feliz pelo reconhecimento e ao mesmo tempo orgulhoso por ter este poeta (o meu presidente), que tanto estimo, associado a um trabalho meu. O livro "um coração simples" contém cinco andamentos: um coração simples, palavras no recontorno da cor (com emerenciano), a casadescrita e poemas vestidos - há ainda um último, mas existe como epígrafe, apenas, para dizer "ainda bem que existem poetas melhores que eu".

Para todos aqueles que visitam este espaço o meu obrigado pelo apoio e a partilha do prémio, também.

9 de fevereiro de 2010

POEMA (QUASE) COM TOULOUSE-LAUTREC



dir-te-ia que as minhas mãos sabem bem o que é uma mulher nua
com o tempo foram sonhando esse deslumbramento
como dois cometas pincelando uma coisa extraordinária

dir-te-ia que não é preciso expor todos os detalhes
que a mulher é transparente na sua silhueta errante
quando se move no quarto à procura do perfume do amor


28 de janeiro de 2010



estou cansado como quem acabou de saber que tinha morrido
a vida toda nos meus braços e com ela
todo o tempo que podia ter sido

sento-me nos escombros da casa que não acabei
desfaço as mãos as palavras
agora que não preciso mais delas

se fosse possível adormecia ao contrário
prendia-me a um pássaro e ia cair longe
no meio de uma árvore incandescente

no entanto nada é fácil e tudo se avoluma
como uma tarde que está prestes a cair redonda em chuva

sento-me calo-me fumo um cigarro a meias com o silêncio
engasgo-me na tristeza e arrependo-me de ter envelhecido


17 de janeiro de 2010




o inverno dura quase todo o ano assim que fechas a porta de casa
talvez porque a casa é grande demais para o que esperas da noite
ou deixaste de acreditar que depois da morte há um lugar melhor

enrolas-te no cobertor e acendes a lareira com os livros de viagens
a música faz-te alguma companhia às vezes pareces falar sozinho
o disco que acabou de girar riscando o silêncio no trapézio do frio

adormeces tão lentamente que reconheces como tudo acontece
sílaba a sílaba um pensamento tranquilo desliza na água do sonho

de dia tens tudo para andar apressado mas as tuas pernas pesam
a tua cabeça anda ocupada a contar árvores e avenidas despidas
procuras alguém como tu mas é difícil perceber quem passa feliz
os nomes das pessoas ficam cabisbaixos no meio de tanta chuva

contudo há sempre um café onde salvas uma porção de felicidade
ninguém te espera mas é assim mesmo que se saboreia um café

depois tens o fim de tarde com os cães dos outros o vento gelado
o cachecol ronronando em vez de um gato à volta do teu pescoço

15 de janeiro de 2010

ELEGIA COM UM CHARCO ACESO DE CHUVA (e outras observações)


a chuva é a mais óbvia metáfora da tristeza
e por causa disso é que os poetas já não a trazem para
um poema que falasse - sei lá - de amor ou de inexistência

os poetas agora são muito cuidadosos em pôr apenas
aquilo que porventura camões nunca terá ousado pensar
num soneto ou num amanhecer a bordo da nau
que o naufragou de volta a lisboa

a chuva é uma coisa bonita de se ver
e quando se junta num charco é como uma palavra perfeita

os poetas agora têm medo de palavras perfeitas
e preferem as palavras que ouvem em qualquer rua
rastejando à porta dos cafés com a porcaria do chão

a chuva é uma palavra que vem do céu
e traz com ela uma rima interessante
expletiva - logo divina - sem mão que a tivesse desatado
da deslumbrada nuvem

os poetas agora gostam de ser eles a desatar o que é poesia ou não
e depois olham para trás e julgam os outros poetas
olhando-os de uma janela que não caberia
em casas que não foram feitas para terem janelas
quando muito uma mansarda cega
virada para a miséria do silêncio

a chuva encharcou-se de repente à minha volta
e apeteceu-me chorar
que é como quem diz - lembrar-me do tempo
em que não me importava de ser esta figura triste e destroçada
porque quando chegava a casa sabia que podia escrever-te um poema
que falava disso tudo com apenas uma ou duas palavras
tiradas precisamente à chuva
e tu entendias e tu adoravas porque sabias que era de ti que falava

agora os poetas preferem sentar-se à mesa dos cafés
e troçar das pessoas que tropeçam nos charcos do chão
fazendo poemas como quem acrescenta mais um corpo
ao obituário dos dias
sem que ninguém perceba alguma música algum recado
algum sentido

12 de janeiro de 2010



o inverno cai sobre mim vindo de todos os lados
corroendo a música que restou do natal
como uma pedra que nos cobre
e cujo peso não sabemos se nos mata ou nos esquece




11 de janeiro de 2010

POEMA PARA ME PERDOAR DA MINHA AUSÊNCIA (OU NÃO)


estou deste lado
fui eu quem me trouxe até aqui
eras pequena demasiado pequena para me segurar as pernas
e dizer-me uma palavra que me travasse a loucura

estou deste lado e deste lado te tenho visto crescer
ora turva ora mágica
a tua estatura se fazendo do brilho com que o teu rosto
se imaginou dentro de mim

e tudo o resto foi sendo apenas um lugar perene
um verso de uma palavra só
sem rima nem peso na arquitectura do silêncio

estou deste lado e é deste lado que sempre te amei
sem poder dizer-to no preciso momento em que adormeces
que é quando essas coisas contam
pois não há nada a perdoar-se nem ninguém a ser perdoado

apenas o sonho que se aproxima
e os cobertores que aconchegam a curva escura do cansaço

estou deste lado e deste lado
fui lamentando toda a vida o lugar onde estou

porque estive aí
tão perto

e vim-me embora

5 de janeiro de 2010

POEMA DE ANO NOVO COM ROBERT DOISNEAU




tenho um poema para te dizer
enquanto há tempo para nos redimirmos
do tempo que perdemos
à espera um do outro

tenho um poema para te dizer
como não sei nenhum outro poema
para além deste

que tudo quanto te posso dar
é a minha mão
aliviada da dor de pensar

como um papel suturado pelo silêncio
de o amor ser uma arte difícil

e não haver palavras que carreguem o peso
de não sabermos como amar como
da primeira vez





PS: Para maccc e Ana Lamego

3 de janeiro de 2010



10 COISAS QUE QUERO FAZER EM 2010

1. Usar o fio dental de uma vez por todas;
2. Ver o fim da série LOST;
3. Queimar a buzina do meu carro quando o Benfica for campeão;
4. Montar os meus IKEAS sem me sobrar nenhuma peça (tenho a casa toda para mobilar assim);
5. Jogar à bola sem trazer para casa uma rotura muscular;
6. Fazer 35 anos e não pensar que no tempo em que festejavam o dia dos meus anos é que era bom;
7. Acabar de ler o romance O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS (vai para dez anos que o comecei);
8. Usar a bicicleta e ter uma desculpa para comprar uns ténis novos (obviamente por desgaste);
9. Usar menos a internet;
10. Vender mais de 10 livros.

PS: Podem dar uma ajudinha? Passem por uma livraria! Um abraço!