22 de fevereiro de 2009




(porta aberta para revolutionary road)



o que queres que a tua vida seja?
que casa queres habitar
e que aniversário prender na correnteza do tempo
que imagem de ti que abraço que sonho?

o que podes desejar se tens à tua frente
todos os sonhos possíveis
expostos como as folhas que caem
porque o outono arrefece o coração das árvores?

o que queres que a tua vida seja?
um desenho numa folha branca
uma porção de luz salvando a noite do vazio
um caminho que se faz desligando o olhar?

o que podes desejar se tens à tua frente
precisamente aquilo que foste buscar à terra
a mesma oração com que sagraste a casa
os filhos que tomaste do silêncio?

o que queres que a tua vida seja?
achas que podes desligar o peso de deus nestas coisas
que não há anjos te guiando o precipício
puxando para trás soprando-te para a frente?

o que podes desejar se tens à tua frente
o peso da morte com o peso do esquecimento
lembrando-te o poema com que acordas
a respiração que te faz quem és?

o que queres que a tua vida seja?
não tens outra não há outra
só esta que já é menos a cada instante
à espera que aproveites o que te é dado

e deseja então não mais que o que já tens
as desgraças todas e mais as dos outros
o mundo tal como ele é
onde todo o amor é possível


21 de fevereiro de 2009



encontrei finalmente o meu coração
não estava dentro do meu peito
batendo serenamente contra a morte
nem sequer no botão de rosa
fulgurosa metáfora de paixão

encontrei finalmente o meu coração
depois de tantas palavras a guardá-lo
e de todas as músicas que o encolheram
até não ser mais que uma estrela
com a sua infinita cintilação

encontrei finalmente o meu coração
e não era nada do que os poetas diziam
não era capaz de guardar a eternidade
quando muito um segundo incendiado
um momento tirado do ventre do verão

encontrei finalmente o meu coração
pintei-o de luz: um vermelho inviolável
uma centelha tirada do fundo da terra
depois estendi-o no meu colo deitei-lhe água
dei-lhe uma semente e envolvi-o em algodão



20 de fevereiro de 2009


não digo a cor

que essa tem a sua asa solta no mar

por mais que uma ilha seja feita de flores

ou de pedras ou de torpor

 

não digo a cor

que a noite também a guarda

por mais que durmamos no relento do cansaço

e um anjo se tenha prometido na carne do amor

 

não digo a cor

que o vestido com que te foste embora

ficou nas palavras com que te acenaste

e no silêncio sussurrado ao pormenor

 

não digo a cor

digo o espaço digo o imenso horizonte

digo o soluço que me prende as mãos

e no lugar da palavra deixa um rumor



(primeira versão: para o joão pinto)

5 de fevereiro de 2009




(no dia das amigas - coisa açoriana...)



amo-te da mesma maneira como respiro
esse amor que uns chamam de rosas no inverno
e outros a quem ousam pôr asas e ternura de algodão




4 de fevereiro de 2009

(poema com mário cesariny: como uma canção desesperada)




estou a dizer-te que já todos os poetas inventaram o amor
que nas minhas mãos o amor é apenas silêncio que vaza

que o amor não pode ser mais belo do que este verso:
antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa

estou a dizer-te que se tinha que te escrever uma carícia
nenhuma palavra há que não tenha quebrado já a sua asa

talvez acabes por perceber na doçura de todo este carinho
que não tenho mais música por onde possas subir até mim
ou madressilvas para te estenderes por todo o meu verão

estou a dizer-te que nunca soube dizer-te como te amar
como se regressasse a um instante em que fui apenas pedra
ou borboleta impassível colorindo o seu efémero coração

estou a dar-te à boca as poucas carícias que saem da minha
como se eu pudesse inventar um verso no lugar de um beijo
e talvez acreditasse que o amor tem sempre um novo aluvião




poema publicado na antologia OS DIAS DO AMOR - depois da generosidade da Inês Ramos