lembro-me de vós
sobretudo nesta hora
com o dia voando para lá do fim do mar
levando o último rasto de saudade
lembro-me de ter sorrido (quer dizer, chorado) com a vossa felicidade
era verdadeira como as alianças que trocavam
verdadeira como nenhuma outra
já o foi
lembro-me de vós: assim
com o peso da tarde por cima de mim
acentuando o gosto da eternidade
(sempre doce e aguado)
ALL YOU NEED IS LOVE: já sabem quem são vós...
30 de janeiro de 2006
23 de janeiro de 2006
casa ao fundo
é neste vale
que espero
por nós
é naquela casa
ao fundo
onde julgamos ser possível
amar o silêncio
e esquecer o peso
do tempo
que espero
por nós
é naquela casa
ao fundo
onde julgamos ser possível
amar o silêncio
e esquecer o peso
do tempo
UM INVERNO ASSIM
um inverno assim
pesa menos
quando o cansaço
atrasa o pulso da respiração
ou a tristeza está nas mãos
que arrefecem
com o fim do dia
um inverno assim:
visto daqui
com o mar parado
e o fim da tarde
desenovelando o silêncio
sobre mim
pesa menos
quando o cansaço
atrasa o pulso da respiração
ou a tristeza está nas mãos
que arrefecem
com o fim do dia
um inverno assim:
visto daqui
com o mar parado
e o fim da tarde
desenovelando o silêncio
sobre mim
18 de janeiro de 2006
para ti (ausência anunciada)
estas palavras são para ti
como são todos os gestos
anunciados com a luz da manhã
sei que não as podes ler
(essa caligrafia perde-se na ignorância
consentida da distância)
no entanto
é pelo sabor doce
de as desatar das minhas mãos
pelo enovelado azul
do silêncio
que as deixo aqui
como são todos os gestos
anunciados com a luz da manhã
sei que não as podes ler
(essa caligrafia perde-se na ignorância
consentida da distância)
no entanto
é pelo sabor doce
de as desatar das minhas mãos
pelo enovelado azul
do silêncio
que as deixo aqui
pompeia para o pompeu
os lugares míticos
são pedaços de deus
como a poesia
é o sopro inviolável
de deus em nós
são pedaços de deus
como a poesia
é o sopro inviolável
de deus em nós
MESTRE (de Álvaro de Campos para os meus alunos)
Mestre
Mestre, meu mestre querido!
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?
Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstrata e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva...
Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!
Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.
Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Por que é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?
Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!
Feliz o homem marçano
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.
Álvaro de Campos
Mestre, meu mestre querido!
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?
Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstrata e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva...
Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!
Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.
Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Por que é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?
Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!
Feliz o homem marçano
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.
Álvaro de Campos
Às Vezes
Às vezes tenho ideias felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
Álvaro de Campos.
PS E NÃO É QUE É MESMO?...
escrita por dizer
tenho um verso na minha boca
como um precipício aberto sobre o mar
à espera de uma sílaba de vento
para voar
como um precipício aberto sobre o mar
à espera de uma sílaba de vento
para voar
17 de janeiro de 2006
tantan tararan tan tan tan
as quatro estações de vivaldi
são as quatro estações de qualquer um de nós
embora nos esqueçamos tão depressa
como a poesia do tempo
é a música passando da nossa vida
são as quatro estações de qualquer um de nós
embora nos esqueçamos tão depressa
como a poesia do tempo
é a música passando da nossa vida
A MÚSICA PERCORRE O MÍNIMO GESTO
nesta tarde de inverno
a música percorre o mínimo gesto
a fria respiração dos pensamentos
sobre o rosto pesado das horas
uma música prendendo o enovelado
gosto do amor
uma música trazendo de volta os sentidos
à pele rarefeita no bordado da solidão
a música percorre o mínimo gesto
a fria respiração dos pensamentos
sobre o rosto pesado das horas
uma música prendendo o enovelado
gosto do amor
uma música trazendo de volta os sentidos
à pele rarefeita no bordado da solidão
árvore no inverno (parada)
como a árvore do tempo
a minha sombra se exalta sobre o seu frio
parada no decorrer das horas
como um vento virado do avesso
preso às raízes do silêncio
e sempre (sempre) esta sensação inconfortável
a respiração demorada sobre o perfil alongado das memórias
num lugar estendido
sob as dunas do sol
a minha sombra se exalta sobre o seu frio
parada no decorrer das horas
como um vento virado do avesso
preso às raízes do silêncio
e sempre (sempre) esta sensação inconfortável
a respiração demorada sobre o perfil alongado das memórias
num lugar estendido
sob as dunas do sol
um poema azul...
POEMA AZUL
Tengo un poema azul
inundado de amor
pleno de mar...
Un poema que cubre los recuerdos,
de aquellas playas,
donde la arena blanca
inventaba una danza con las olas
que iban y venían
jugueteando en tu cuerpo y en mi piel.
Antonio Lopez Fernandez
Tengo un poema azul
inundado de amor
pleno de mar...
Un poema que cubre los recuerdos,
de aquellas playas,
donde la arena blanca
inventaba una danza con las olas
que iban y venían
jugueteando en tu cuerpo y en mi piel.
Antonio Lopez Fernandez
9 de janeiro de 2006
flores de sol
xanaxanaxanaxanaxana
oxanaxanaxanaxanaxanaque
dizerxanaxanaxanaxanaxana
xanaxanaquandoxanaxanaxana
osxanaxanaxanaxanaxana
xanagestosxanaxanaxanaxana
irrompemxanaxanaxanaxanaxanapelo
xanaxanaxanaxanaxanasilêncio
xanaxanacalandoxanaxanaxana
asxanaxanaxanaxanaxana
xanaxanaxanaxanaxanapalavras
xanaxana?xanaxanaxana
oxanaxanaxanaxanaxanaque
dizerxanaxanaxanaxanaxana
xanaxanaquandoxanaxanaxana
osxanaxanaxanaxanaxana
xanagestosxanaxanaxanaxana
irrompemxanaxanaxanaxanaxanapelo
xanaxanaxanaxanaxanasilêncio
xanaxanacalandoxanaxanaxana
asxanaxanaxanaxanaxana
xanaxanaxanaxanaxanapalavras
xanaxana?xanaxanaxana
luadia
hás-de me encontrar ao fundo das coisas
entre os detalhes
com a certeza de teres os olhos fechados
para o contorno do pensamento
como se quisesses cegar a certeza
com que vês o lugar das palavras
ou mesmo a voz com que te chamam
hás-de me alcançar mais além
depois de teres adormecido para o mundo
no mesmo lugar onde a noite se ergue
para desatar as asas dos sonhos
entre os detalhes
com a certeza de teres os olhos fechados
para o contorno do pensamento
como se quisesses cegar a certeza
com que vês o lugar das palavras
ou mesmo a voz com que te chamam
hás-de me alcançar mais além
depois de teres adormecido para o mundo
no mesmo lugar onde a noite se ergue
para desatar as asas dos sonhos
8 de janeiro de 2006
birthday cake
em todos os anos
a mesma vela
se acende para apagar mais um
rasto de vida
o mesmo rasto de vida
que respira os passos em volta
ampliando aquilo que julgamos ser o infinito
(parabéns sónia)
a mesma vela
se acende para apagar mais um
rasto de vida
o mesmo rasto de vida
que respira os passos em volta
ampliando aquilo que julgamos ser o infinito
(parabéns sónia)
deus no azevinho
deus está no azevinho
deus está nessas pequenas
bolhas de vida
de onde o sangue do granito
encontra a luz do dia
deus está nessas pequenas
bolhas de vida
de onde o sangue do granito
encontra a luz do dia
asas presas ao chão
hás-de voar mesmo
no coração do granito
que te prende os pés
porque as tuas asas
estão dentro de ti
onde um pássaro já reconheceu
o seu horizonte
no coração do granito
que te prende os pés
porque as tuas asas
estão dentro de ti
onde um pássaro já reconheceu
o seu horizonte
6 de janeiro de 2006
5 de janeiro de 2006
poeta de chagall
neste inverno
tenho sido o poeta de
chagall
carrego-o comigo
como um sonho aceso
pesando em cada estrela
a profundidade do azul
neste inverno
vou aprendendo a poesia
entre um ou outro quadro
que me componha a sede
ou me desate as palavras
tenho sido o poeta de
chagall
carrego-o comigo
como um sonho aceso
pesando em cada estrela
a profundidade do azul
neste inverno
vou aprendendo a poesia
entre um ou outro quadro
que me componha a sede
ou me desate as palavras
o amor é uma palavra
o amor é uma palavra
por isso flutua
no coração dos lilazes
por isso cabe na íntima
respiração do silêncio
quando reparo no tempo
e me dou conta do horizonte
desta espera
- para a berlinde
por isso flutua
no coração dos lilazes
por isso cabe na íntima
respiração do silêncio
quando reparo no tempo
e me dou conta do horizonte
desta espera
- para a berlinde
4 de janeiro de 2006
carpe diem I
para que o dia nos seja inteiro
em cada palavra
o peso da luz
o amor das coisas próximas
(para o salvador)
em cada palavra
o peso da luz
o amor das coisas próximas
(para o salvador)
um filho no limiar da vida
um filho é a vida
replicada ao infinito
(esse é que é o verdadeiro
mistério do universo)
as estrelas são a explicação
dos sonhos
brilhando sem tempo
como uma ternura
partilhada
- para a leonor e o marco antónio
replicada ao infinito
(esse é que é o verdadeiro
mistério do universo)
as estrelas são a explicação
dos sonhos
brilhando sem tempo
como uma ternura
partilhada
- para a leonor e o marco antónio
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