28 de janeiro de 2009





há uma dor que atravessa os anos acumulados
a fome do tempo que nenhuma eternidade promete

uma ferida aberta aos sentidos deslocados
amplexos desfocados de sofrimento

e uma canção que dói
quando todas as outras já não suportam
terem sido um momento feliz

e uma canção que dói
como todos os gestos que já não cabem mais
nesse corpo que morre

tão devagar que dá para sentir
a sombra ondulante da morte se chegando

como as pétalas da primeira ovação
quando o mundo sabia o teu nome
como quem sabe os acordes de um verão quente


19 de janeiro de 2009



Ela sorriu e ele foi atrás

Ela despiu-o e ela o satisfaz

Passa a noite

passa o dia devagar

já é dia

já é hora de voltar

Aqui ao luar ao pé de ti

ao pé do mar

só o sonho fica

só ele pode ficar





MORRER COM 39 ANOS? Isso é crime!

18 de janeiro de 2009




o tempo tem uma forma estranha de nos dizer
que estamos a mais num dado segundo

puxa-nos pela mão e afasta-nos violentamente das coisas que amamos
apaga-nos a música que estávamos ouvindo
o instante em que tudo parecia perfeito

e o sol no cume de novembro
mais doce que o primeiro amor

assim como quem nos bate com a porta na cara
de uma casa que sempre foi nossa
e que agora nem podemos ver de fora

assim como quem risca da nossa frente
o caminho que tínhamos escolhido

deixando tudo para trás: até o berlinde mais pequeno
até o berlinde mais gasto
rodando
rodando


rufus está na minha manhã como o vento
deste inverno furioso

e é o chá tomado entre as mãos
um carinho efémero em cada instante eterno


14 de janeiro de 2009



dentro do teu corpo
há um barco que te puxa

as mãos que são as tuas asas
a boca que é a tua rosa aberta
à procura do fogo

dentro do teu corpo
há um barco que te navega

as palavras que não dizes
o silêncio com que tropeças
na solidão

dentro do teu corpo 
há um barco que te rodeia

o sangue que te respira
o amor que desenhas
com um suspiro



(para o pepe - ensaio primeiro)

3 de janeiro de 2009

já que não estavas ao pé de mim
fui buscar-te ao poema
onde te escondi pela primeira vez

o vinicius sabe bem como é o cântico
a página onde parámos os dois
para ver o sol girar
já estava à espera que nos voltássemos a encontrar
assim me mantive vivo nos últimos anos

deixei-me ficar nesta rua
nesta rua onde foste a mais lilás das assombrações

e acabei por me parecer com a paragem do autocarro
onde todos se abrigam e protegem do tempo que passa

foram apenas alguns anos
apenas uma vida que dava para habitar todo um sonho
uma vida que somada ao silêncio
fazia o livro de poesia mais triste de sempre

e contudo bastou para que me crescessem estas asas
que batem agora contra o vento do inverno

como uma árvore que interrompe
a respiração da cidade

a mesma cidade onde fomos felizes por um instante
um instante apenas

tão pouco tão pouco
tão pouco