o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor
saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão
inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou
o vestido que trazes arruinou a sua bainha e desfiou-se a chorar
parece um jornal amarrotado uma película translúcida de silêncio
deixando ver as feridas nos joelhos o coração resistindo ao vento
passou de moda porque deixaste de te despir com a luz acesa
e o espelho já não alcança a parede onde havia um outro retrato
já não te serve porque esqueceste de mudar a água aos girassóis
e agora há uma escuridão que se enovela à volta da tua tristeza
pesando sobre os teus olhos como uma pedra tirada a um poço
ou uma música de embalar de onde se perdeu a letra e o sonhar
o vestido que trazes está perfumado de pérolas que se partiram
num excesso das sombras que musicam a vaivência da solidão
e dói como dói