28 de janeiro de 2010



estou cansado como quem acabou de saber que tinha morrido
a vida toda nos meus braços e com ela
todo o tempo que podia ter sido

sento-me nos escombros da casa que não acabei
desfaço as mãos as palavras
agora que não preciso mais delas

se fosse possível adormecia ao contrário
prendia-me a um pássaro e ia cair longe
no meio de uma árvore incandescente

no entanto nada é fácil e tudo se avoluma
como uma tarde que está prestes a cair redonda em chuva

sento-me calo-me fumo um cigarro a meias com o silêncio
engasgo-me na tristeza e arrependo-me de ter envelhecido


17 de janeiro de 2010




o inverno dura quase todo o ano assim que fechas a porta de casa
talvez porque a casa é grande demais para o que esperas da noite
ou deixaste de acreditar que depois da morte há um lugar melhor

enrolas-te no cobertor e acendes a lareira com os livros de viagens
a música faz-te alguma companhia às vezes pareces falar sozinho
o disco que acabou de girar riscando o silêncio no trapézio do frio

adormeces tão lentamente que reconheces como tudo acontece
sílaba a sílaba um pensamento tranquilo desliza na água do sonho

de dia tens tudo para andar apressado mas as tuas pernas pesam
a tua cabeça anda ocupada a contar árvores e avenidas despidas
procuras alguém como tu mas é difícil perceber quem passa feliz
os nomes das pessoas ficam cabisbaixos no meio de tanta chuva

contudo há sempre um café onde salvas uma porção de felicidade
ninguém te espera mas é assim mesmo que se saboreia um café

depois tens o fim de tarde com os cães dos outros o vento gelado
o cachecol ronronando em vez de um gato à volta do teu pescoço

15 de janeiro de 2010

ELEGIA COM UM CHARCO ACESO DE CHUVA (e outras observações)


a chuva é a mais óbvia metáfora da tristeza
e por causa disso é que os poetas já não a trazem para
um poema que falasse - sei lá - de amor ou de inexistência

os poetas agora são muito cuidadosos em pôr apenas
aquilo que porventura camões nunca terá ousado pensar
num soneto ou num amanhecer a bordo da nau
que o naufragou de volta a lisboa

a chuva é uma coisa bonita de se ver
e quando se junta num charco é como uma palavra perfeita

os poetas agora têm medo de palavras perfeitas
e preferem as palavras que ouvem em qualquer rua
rastejando à porta dos cafés com a porcaria do chão

a chuva é uma palavra que vem do céu
e traz com ela uma rima interessante
expletiva - logo divina - sem mão que a tivesse desatado
da deslumbrada nuvem

os poetas agora gostam de ser eles a desatar o que é poesia ou não
e depois olham para trás e julgam os outros poetas
olhando-os de uma janela que não caberia
em casas que não foram feitas para terem janelas
quando muito uma mansarda cega
virada para a miséria do silêncio

a chuva encharcou-se de repente à minha volta
e apeteceu-me chorar
que é como quem diz - lembrar-me do tempo
em que não me importava de ser esta figura triste e destroçada
porque quando chegava a casa sabia que podia escrever-te um poema
que falava disso tudo com apenas uma ou duas palavras
tiradas precisamente à chuva
e tu entendias e tu adoravas porque sabias que era de ti que falava

agora os poetas preferem sentar-se à mesa dos cafés
e troçar das pessoas que tropeçam nos charcos do chão
fazendo poemas como quem acrescenta mais um corpo
ao obituário dos dias
sem que ninguém perceba alguma música algum recado
algum sentido

12 de janeiro de 2010



o inverno cai sobre mim vindo de todos os lados
corroendo a música que restou do natal
como uma pedra que nos cobre
e cujo peso não sabemos se nos mata ou nos esquece




11 de janeiro de 2010

POEMA PARA ME PERDOAR DA MINHA AUSÊNCIA (OU NÃO)


estou deste lado
fui eu quem me trouxe até aqui
eras pequena demasiado pequena para me segurar as pernas
e dizer-me uma palavra que me travasse a loucura

estou deste lado e deste lado te tenho visto crescer
ora turva ora mágica
a tua estatura se fazendo do brilho com que o teu rosto
se imaginou dentro de mim

e tudo o resto foi sendo apenas um lugar perene
um verso de uma palavra só
sem rima nem peso na arquitectura do silêncio

estou deste lado e é deste lado que sempre te amei
sem poder dizer-to no preciso momento em que adormeces
que é quando essas coisas contam
pois não há nada a perdoar-se nem ninguém a ser perdoado

apenas o sonho que se aproxima
e os cobertores que aconchegam a curva escura do cansaço

estou deste lado e deste lado
fui lamentando toda a vida o lugar onde estou

porque estive aí
tão perto

e vim-me embora

5 de janeiro de 2010

POEMA DE ANO NOVO COM ROBERT DOISNEAU




tenho um poema para te dizer
enquanto há tempo para nos redimirmos
do tempo que perdemos
à espera um do outro

tenho um poema para te dizer
como não sei nenhum outro poema
para além deste

que tudo quanto te posso dar
é a minha mão
aliviada da dor de pensar

como um papel suturado pelo silêncio
de o amor ser uma arte difícil

e não haver palavras que carreguem o peso
de não sabermos como amar como
da primeira vez





PS: Para maccc e Ana Lamego

3 de janeiro de 2010



10 COISAS QUE QUERO FAZER EM 2010

1. Usar o fio dental de uma vez por todas;
2. Ver o fim da série LOST;
3. Queimar a buzina do meu carro quando o Benfica for campeão;
4. Montar os meus IKEAS sem me sobrar nenhuma peça (tenho a casa toda para mobilar assim);
5. Jogar à bola sem trazer para casa uma rotura muscular;
6. Fazer 35 anos e não pensar que no tempo em que festejavam o dia dos meus anos é que era bom;
7. Acabar de ler o romance O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS (vai para dez anos que o comecei);
8. Usar a bicicleta e ter uma desculpa para comprar uns ténis novos (obviamente por desgaste);
9. Usar menos a internet;
10. Vender mais de 10 livros.

PS: Podem dar uma ajudinha? Passem por uma livraria! Um abraço!