ir ao musée d'orsay é colher um lenço enorme de seda
que nos cobre as lágrimas quando nos cortamos
ou nos dói a tristeza (a nossa ou a de alguém que nos
deu a mão para que a escutássemos - respirando com dificuldade
porque a ferida nasce no coração e sai pelos sete buracos da cabeça)
foi assim há dois verões: lembro-me como se fosse agora mesmo
o degas e os outros todos mas sobretudo o degas e as suas bailarinas
tão pequeninas tão rodopiantes tão vivas tão azuis
neste momento preciso tanto dessa memória alada
preciso que ela me ajude a aquecer este chá de tília
(o mesmo que tomavas quando resumias o lado mais infeliz da tua vida)
preciso que degas me acompanhe neste silêncio
e me murmure pelo menos uma palavra que aqueça este inverno
uma palavra que podia ser um movimento um perfume uma chama
uma palavra que coubesse na minha mão e te ajudasse a correr de novo
e se calhar conseguisse que o teu coração voltasse a ser grande
maior que o teu corpo inteiro
essa árvore com que chegas ao céu e ficas à procura dos teus anjos
PARA A AUGUSTA