esse rio na selva é o único poço onde podes ser transparente
o rio que te obriga a despir a inquietação de seres pequeno
e te permite ser deus com apenas dois remos e uma candeia
nessa viagem compreendes as coisas que sempre te pesaram
aceita-las como quem concorda com a hora da morte e sorri
esvazia os bolsos e acrescenta os trocos mal geridos da vida
o rio é muito mais que uma artéria serpenteando e circulando
corpo de água que nunca irrompeu nem nunca se dissolveu
escrinventando nas margens as raízes com que o teu silêncio
há-de crescer até ser a única meditação que te arrepia a pele
os teus sentidos são uma chama que respira nas tuas mãos
fechas as mãos e apagas tudo quanto te desacomoda a alma
e depois és igual a uma canoa que prospera na escuridão
um corpo que é um poema líquido doçura solvente de sonhoin "um segundo é passado" daniel gonçalves 2010