o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor
saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão
inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou
o vestido que trazes arruinou a sua bainha e desfiou-se a chorar
parece um jornal amarrotado uma película translúcida de silêncio
deixando ver as feridas nos joelhos o coração resistindo ao vento
passou de moda porque deixaste de te despir com a luz acesa
e o espelho já não alcança a parede onde havia um outro retrato
já não te serve porque esqueceste de mudar a água aos girassóis
e agora há uma escuridão que se enovela à volta da tua tristeza
pesando sobre os teus olhos como uma pedra tirada a um poço
ou uma música de embalar de onde se perdeu a letra e o sonhar
o vestido que trazes está perfumado de pérolas que se partiram
num excesso das sombras que musicam a vaivência da solidão
e como uma vinha a quem se arrancou o chão antes da vindima
pareces-me abreviada despida exangue impossível descosturada
3 comentários:
"pareces-me abreviada despida exangue impossível descosturada":O verbo “ parecer” da ilusão.
Pode ser desta forma ou de outra?
Engana a própria ilusão, não a partir do olhar mas dos sons que este vestido, ainda, tem. Ainda tem Sabor? Ainda sentes o cheiro, dele, nas tuas mãos?
Então, ainda, tem vinda: esperança.
Era um vestido azul que o tempo, vil e cruel, tornou verde (um verde gasto). Verde da cor da ilha que habitas, que te habita e és.
A ilusão é uma confusão dos sentidos que provoca uma distorção da percepção. Foi mesmo ilusão? Amaste com o lado errado do Coração?
Foi, ainda assim, em vão?
Grata.
Feliz dia.
Voltarei.
Vou, tentar, escrever um outro poema com base neste.
"Ao tocar a primeira pedra deste edifício que um dia tu foste e eu também fui em ti, ao pisar cada tábua ou o que delas resta neste chão de Amor voltei a usar o mesmo vestido – tinha flores vermelhas: papoilas. Lembro-me como amavas esse vestido, os botões pequeninos do decote forrados de veludo, os bordados dos bolsos: nunca mais consegui guardar nada num dos bolsos do vestido. Nele guardei o papel que colocaste, sem que eu me apercebesse, antes de teres saído deste templo vazio que hoje visito: sou. Jamais poderá o Tempo apagar as letras que desenhaste para que os meus olhos lessem, as minhas mãos tocassem e o coração sentisse. Viverão para sempre como uma tatuagem no meu peito. Quando acordei, senti o aconchego das tuas mãos na manta que colocaste para me aquecer mas um desconforto, uma ausência de luz, ao reparar que tinhas partido. Nunca entendi porque o fizeste. Esperei dias, meses, muito tempo por um sinal teu. Até que duas Primaveras volvidas voltei a usar o mesmo vestido. A saudade chamou por ele: vesti-o e cada toque dele na minha pele era diferente. No final desse dia, um gesto, um desejo: meti a minha mão num dos bolsos e vi um papel com umas manchas amarelas: o teu papel. Palavras tuas – chorei. Lá fora a chuva chorava comigo. Nunca mostrei esse papel a ninguém: epitáfio dos nossos sentidos.
Porque há palavras que só o nosso coração entende e só ele deve guardar." Um excerto de um texto meu escrito num Domingo, Fevereiro 01, 2009 - intitulado "Chão de Amor"
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