1 de outubro de 2009

versão 5

depois de alguns dias à volta deste poema, vestiu-se desta forma: a estrutura está pronta, falta, porventura limpar alguma imprecisão. tenho de o dedicar à sandra, obviamente, pela cumplicidade nas leituras. obrigado.


o vestido que trazes está gasto como o nome que deste ao amor

saqueado como o chão da seara depois da fermentação do verão

inútil como uma palavra à roda de um poema que não se iluminou


o vestido que trazes arruinou a sua bainha e desfiou-se a chorar

parece um jornal amarrotado uma película translúcida de silêncio

deixando ver as feridas nos joelhos o coração resistindo ao vento


passou de moda porque deixaste de te despir com a luz acesa

e o espelho já não alcança a parede onde havia um outro retrato


já não te serve porque esqueceste de mudar a água aos girassóis

e agora há uma escuridão que se enovela à volta da tua tristeza

pesando sobre os teus olhos como uma pedra tirada a um poço

ou uma música de embalar de onde se perdeu a letra e o sonhar


o vestido que trazes está perfumado de pérolas que se partiram

num excesso das sombras que musicam a vaivência da solidão


e como uma vinha a quem se arrancou o chão antes da vindima

pareces-me abreviada despida exangue impossível descosturada


3 comentários:

Anónimo disse...

"pareces-me abreviada despida exangue impossível descosturada":O verbo “ parecer” da ilusão.

Pode ser desta forma ou de outra?
Engana a própria ilusão, não a partir do olhar mas dos sons que este vestido, ainda, tem. Ainda tem Sabor? Ainda sentes o cheiro, dele, nas tuas mãos?
Então, ainda, tem vinda: esperança.
Era um vestido azul que o tempo, vil e cruel, tornou verde (um verde gasto). Verde da cor da ilha que habitas, que te habita e és.



A ilusão é uma confusão dos sentidos que provoca uma distorção da percepção. Foi mesmo ilusão? Amaste com o lado errado do Coração?
Foi, ainda assim, em vão?


Grata.
Feliz dia.
Voltarei.

Anónimo disse...

Vou, tentar, escrever um outro poema com base neste.

Anónimo disse...

"Ao tocar a primeira pedra deste edifício que um dia tu foste e eu também fui em ti, ao pisar cada tábua ou o que delas resta neste chão de Amor voltei a usar o mesmo vestido – tinha flores vermelhas: papoilas. Lembro-me como amavas esse vestido, os botões pequeninos do decote forrados de veludo, os bordados dos bolsos: nunca mais consegui guardar nada num dos bolsos do vestido. Nele guardei o papel que colocaste, sem que eu me apercebesse, antes de teres saído deste templo vazio que hoje visito: sou. Jamais poderá o Tempo apagar as letras que desenhaste para que os meus olhos lessem, as minhas mãos tocassem e o coração sentisse. Viverão para sempre como uma tatuagem no meu peito. Quando acordei, senti o aconchego das tuas mãos na manta que colocaste para me aquecer mas um desconforto, uma ausência de luz, ao reparar que tinhas partido. Nunca entendi porque o fizeste. Esperei dias, meses, muito tempo por um sinal teu. Até que duas Primaveras volvidas voltei a usar o mesmo vestido. A saudade chamou por ele: vesti-o e cada toque dele na minha pele era diferente. No final desse dia, um gesto, um desejo: meti a minha mão num dos bolsos e vi um papel com umas manchas amarelas: o teu papel. Palavras tuas – chorei. Lá fora a chuva chorava comigo. Nunca mostrei esse papel a ninguém: epitáfio dos nossos sentidos.
Porque há palavras que só o nosso coração entende e só ele deve guardar." Um excerto de um texto meu escrito num Domingo, Fevereiro 01, 2009 - intitulado "Chão de Amor"