20 de dezembro de 2007

tenho girassóis na mesa onde deixei o silêncio


Sunflowers
deixado cá por danielsg.
tenho girassóis na mesa onde deixei o silêncio
aberto sobre um livro de poesia chinesa

qualquer um poema de qualquer um poeta
antigo como o correr das águas

para dizer muito melhor o que uma natureza morta tem de vivente
ou o que uma natureza morta tem de belo
se nos olhamos no mesmo perfil e estamos sozinhos

10 de dezembro de 2007

poema com fotografia de zdzislav beksinski


zdzislav beksinski
deixado cá por danielsg.
uma vida paralela a esta
mostrando a mesma metade
do que somos?

radiografia do outono


radiografia
deixado cá por danielsg.
por dentro do outono
ainda é verde
o nome das folhas

por dentro do outono
a luz tira uma fotografia
da alma das coisas

por dentro do outono
sei que tenho um poema
à espera da minha boca

em chagall com paris


paris chagall
deixado cá por danielsg.
estou em paris com chagall
(mas tenho mais chagall em mim que paris)

na verdade estou num sonho
com o gato que sempre quis ter

e uma janela de uma casa que desse para a vista mais amorosa
de uma tarde de outono

com cores de uma vida feliz
e o rosto do homem que tem um poço no coração
olhando para trás de tudo isto

como se só permitíssemos ao olhar
um certo chagall
com paris na corrente sanguínea

2 de dezembro de 2007

a restauração do silêncio (1 de dezembro)


malbusca's sunset
deixado cá por danielsg.
se estivesses a meu lado
talvez te comovesses como eu

começavas por pegar no mesmo silêncio
e era um poema que ia correr
das tuas mãos (eu sei
tens a mesma sede que eu)

como um pensamento atravessado de serenidade
ou pontuado pela paz do mundo
dir-me-ias que o paraíso já não existe
porque acabou de se pôr à nossa frente?


para o joão ricardo

a simetria do tempo


roof tiles
deixado cá por danielsg.
subo à cabeça da minha casa
e olho o mundo à minha volta

sou o silêncio mais alto
o ente magnífico que dá sentido
ao tempo

o envelhecer lento do telhado
diz-me que preciso tomar cuidado
com o inverno

e numa simetria impossível de condizer
sinto que também eu me acautele
dos dias indelicados
que hão-de vir

com chuva e vento
e outras tempestades
lembrar-me que os pés precisam
de raízes fortes

18 de novembro de 2007

Vou fechar os meus olhos neste instante: dói-me o corpo de não te ter. Dói-me a chuva de haver sede neste espaço onde habitamos os dois: o espaço de haver flores para cada um dos nossos pensamentos e alguns bancos onde sentarmos as nossas promessas, como um jardim a quem apenas se tiraram os pássaros, porque esses, são muito mais livres que qualquer palavra, mesmo que um poema uma mão como esta os chame, os desenhe, os risque, os invente...
sei que estás no meu coração
és a flor que me traz de volta
o cheiro da nossa infância

porque és o eterno carinho
(uma beleza impossível de decifrar)

porque tens a delicadeza
impressa no teu silêncio

porque vens com a tua boca doce
chamar o nome com que o amor
se disfarça na noite eterna

não é preciso perceber islandês para sonhar

não é preciso nem uma palavra sequer
para a paz nos surpreender
e a emoção completa

a música perfeita da delicadeza
e os gestos enternecidos da
beleza

não é preciso quase nada para sermos
felizes:

basta partilharmos



(para a maria clara do vale)

ESTA NOITE SONHEI CONTIGO


esta noite sonhei contigo 
e foi esta música tatuada nas minhas mãos
que mo disse

esta noite sonhei contigo
e amei o lado luminoso desse carinho

a forma como desqueci toda a distância 
deste mundo silente


um poema para os bons e maus pec(boc)ados






um poema pode dizer um momento
um bom ou mau pecado

um poema pode dizer uma vida
um bom ou mau bocado

um poema pode dizer tudo
mas um livro diz sempre muito mais

um livro diz todos os segundos
os bons e os maus segundos

um livro diz a vida toda
a boa e a má vida (que é sempre bela)
que as mãos levam
tentando escrever
a desmesura da sede






para o joão ricardo lopes

15 de novembro de 2007

Não me esqueço de ti porque respiro. Porque olho para dentro de mim e cada uma das árvores que me segura neste chão sabe o teu nome, como fotossíntese da luz do silêncio.




I'm glad you are a girl
I'm pleased to know you
I like you for you
I'm happy you're growing up

Reach and you won't lose me
Destroy the objective, but still sur- vur- vive
You are angry and that's okay

Forgetful or pretending
Tired, ill, or angry, or cold
More assured of what to do
But I do care for you (What a beautiful gift for me ?)

Reach and you (rejection?) won't lose me
Destroy the objective, but still survive
You are angry and that's okay ... yes
I am not afraid of your anger
What do you need? What do you want?
I love you and I know that you can figure it out




pode uma música ser mais bela?

3 de novembro de 2007




O MEU JARDIM DE ROSAS (poema com paul klee sobre os olhos)


quando acordar e for esse o dia de morrer
hás-de ser tu o meu jardim de rosas

29 de outubro de 2007





SEM TÍTULO (depois de antónio lobo antunes quem ousa inventar títulos?)

tenho para te dizer um estuário de luz que desagua na boca da manhã
tenho para te dizer os lunários e as contradanças do sonho
os anjos que caíram nas asas deste poema

tenho para te dizer qualquer coisa que não sei como trazer no coração das mãos
qualquer coisa que não tem outro movimento
senão no apertado sentido destes versos

como se eu soubesse que tudo isto não passa de um poema
para te dizer precisamente que acordei contigo nos meus olhos

27 de outubro de 2007






a primavera em mim
foi uma cotovia
da manhã

havia velas lilases
uma simpatia serena

dizendo o lá fora



daniel gonçalves


poema com foto de angelicatas


no coração da palavra és o coração da poesia
no coração da ilha és o coração do horizonte

no coração da flor és o coração do sonho
no coração do silêncio és o coração da paz

no coração da praia és o coração do mar
no coração da estrela és o coração da noite

e no coração do amor és o coração da vida
o coração do coração do coração do coração


daniel gonçalves



como um poema (para antónio ramos rosa)



nasceu-me uma rosa no coração
para não ter de regressar ao silêncio

nasceu-me uma rosa no coração
para voltar a entrar na casa da poesia

nasceu-me uma rosa no coração
e os nomes das coisas iluminaram-se

nasceu-me uma rosa no coração
e esqueci-me que tenho uma boca

nasceu-me uma rosa no coração
e é a ti que me dedico o seu perfume




daniel gonçalves



COMO UM POEMA QUE LEMBRASSE MIGUEL TORGA E O ATRAVESSASSE À DISTÂNCIA DE UMA MONTANHA PROFUNDA


o homem tem as mesmas raízes de deus
como se fosse a mesma árvore
que sustenta o céu

o homem vai no mesmo caminho que o seu cão
e leva na sua mão o pedaço de pão
que há-de enganar a fome aos dois

o homem sabe a palavra com que a pedra
escuta os quatro lados do vento
e a pedra sabe a palavra com que o homem
fia o silêncio das constelações pesadas da noite

o homem é o poeta e é o profundo destino do vazio
tem no seu coração a última flor do mundo
e na sua boca apenas outro grito

o homem quis revelar o mistério íntimo da vida
e fê-lo com todas as coisas que o protegeram da morte
todas as coisas que a terra soube dar
como uma bênção que um anjo esqueça propositadamente
no altar da respiração da manhã



daniel gonçalves

22 de outubro de 2007





palavras para a apresentação do livro "dez anos de solidão" em santa maria


esta ilha é uma ilha de solidão mas não é a ilha da solidão
esta ilha é uma ilha de solidão quando olha o mar em sua volta
quando se fecha para dormir sobre a eternidade
quando se leva para fora no silêncio adocicado de quem parte

esta ilha é uma ilha de solidão porque queremos que assim seja
porque se ela pudesse abraçava-nos
pegava em nós e dava-nos o seu pico mais alto para morarmos
e vermos que o mundo em volta é que é pequeno

esta ilha é uma ilha de solidão e gosto dela assim
quando me dá todo este tempo para reviver
quando me aproxima as coisas mais pequenas desta boca que tem tanta sede

esta ilha é uma ilha de solidão mas não nos deixa sozinhos
porque essa solidão é só mais uma maneira de colorir o espaço em branco
o espaço em azul o espaço em verde
o espaço em cor de sonho a cor em espaço

esta ilha é uma ilha tão grande que cabe nela toda a solidão do mundo
porque a solidão do mundo é do tamanho de uma palavra
uma palavra que se tiver que rimar rima com coração
e rima com silêncio e rima com o outono e com o inverno
e com a primavera e com o verão
e rima sobretudo com abraço porque o abraço é que dá descanso à solidão

esta ilha é a ilha de todas as ilhas onde se espera pela manhã seguinte
a ilha onde temos esta solidão virada do avesso
que é pensarmos que ninguém nos ouve
e ninguém quer saber em que parte do oceano estamos

esta ilha é a ilha de todas as ilhas que pensam que são a ilha da solidão
e há tantas ilhas assim e tão mais pequenas
ilhas que às vezes trazemos fechadas nas nossas mãos

esta ilha é tudo isto e tanto mais
porque nenhuma palavra sabe o que dizer
quando tem para dizer o que esta ilha tem para dar

e só me apetece dizer que esta ilha é a ilha do amor
e por ser assim é a ilha da poesia
e das aguarelas que mostram o lado de fora
por dentro do lado íntimo das coisas

e esta ilha somos nós
agora

com a solidão lá fora
à espreita do que estamos aqui a fazer

20 de outubro 2007




amigos: sem outras palavras: obrigado.

15 de outubro de 2007





amigos: depois da felicidade das apresentações em braga e em lisboa, eis que a MINHA ilha me recebe, no sábado, dia 20 de Outubro. Sintam-se convidados: a casa é vossa.

5 de outubro de 2007





um poema para o carlos vaz, a maria do sameiro barroso e a gabriela funk (digníssimos amigos que vão de mãos dadas com este novo livro)


o mundo vem ter comigo como um rumor de sonho
uma existência ténue de luz que soletra a respiração

a poesia está nesse movimento que me abre as mãos
e as palavras vêm ter à boca como pássaros na praia
atordoados pela paz que o mar inventa na rebentação

não sei explicar como a metáfora se prende ao poema
nem como a água da música leva cada um dos sentidos

não sei como dentro de mim há este fogo intermitente
que me deixa dormir enquanto morrem as últimas flores
e o paraíso se completa com os nossos gatos feridos

o mundo atravessa-me o coração para que possas escutar
as mais pequenas coisas que deixas no esquecimento

tantas coisas que eu sei estão à espera da minha boca
ou da minha folha carregando o peso de cada anjo
que para cada um dos males do mundo eu invento

3 de outubro de 2007





que outro tempo nos restará para além deste
que horizonte nos socorrendo na escuridão?


in, dez anos de solidão, daniel gonçalves


para G.S. (seja quem for: pois não identifico de imediato o nome por trás das letras)

1 de outubro de 2007






dez anos de solidão está a ganhar vida: primeira respiração será em Braga. Sinta-se convidado.

Próximas respirações: Lisboa, Livraria Bulhosa, dia 13 de Outubro pelas 17 horas e Santa Maria (Açores) dia 20 de Outubro na Igreja das Vitórias.


Um abraço!
agradeço à LABIRINTO mais um livro: afectos que nos unem, afectos que nos prendem, afectos que nos erguem, tão acima das estrelas

26 de setembro de 2007



dez anos de solidão: um novo livro... porque há amigos num labirinto...


dez anos de solidão ou as horas todas desta vida de silêncio
para encontrar na profundeza da noite a cintilação da manhã

dez anos de solidão para silabar a poesia na luz das palavras
no mesmo carinho com que nos confiamos ao clarão do amor

dez anos de solidão com a boca atada ao cuidado da paz
com o corpo protegendo a delicada promissão do paraíso
com que cada verso se acende contra a inclinação do frio

dez anos de solidão para que me crescessem estas mãos
e houvesse buganvílias anulando a tristeza do fim da tarde
barcos com sonhos na proa e nas asas brancas das velas
levando ao último horizonte as pedras densas do cansaço

dez anos de solidão como uma casa erguida contra o tempo
onde cantasse a língua com as suas primaveras secretas

e fosse possível inventar um poema contra o esquecimento
ou o cume do inverno que é termos a morte à nossa espera



(para eles)

25 de setembro de 2007




a noite estrelada está presa ao nosso coração
viemos de muito longe à procura do nosso silêncio
e encontramo-lo na constelação dos nossos sonhos

é tão bela a luzente paz das nossas bocas
como se tivessem dito já todas as palavras
e sobrasse apenas poesia
para gastar até ao fim do tempo

23 de agosto de 2007


lagoinhas
deixado cá por danielsg.
não estão junto a estas mãos
nem perto desta minha sombra caindo lentamente com a tarde

não estão de outro lado nem estarão em casa
esperando por mim

não estão deste lado do mundo sequer
que este mundo é de quem sonha o entardecer
e deixa o corpo voar num tempo onde tudo existiu
numa perfeição impossível de repetir

aí estavam vocês
comendo um gelado
sentadas na beira da estrada

com tudo isto por trás

sem título de momento (para sempre)


santa maria
deixado cá por danielsg.
há um entardecer preso ao silêncio
neste verão

há um espaço onde as asas cabem com os sonhos
do mundo

há uma palavra que se esquece do seu peso
e voa até ti

(diz que o fim da tarde é o perdão do sol
às coisas imperfeitas)






OBSERVAÇÃO: o último verso foi inspirado num verso de um poeta que não lembro agora mas que vou homenagear em breve... dizia: a névoa é o perdão do sol às coisas imperfeitas... quem me dera ter inventado isto!)

4 de agosto de 2007

o post menos poético de todos os posts menos poéticos

era aqui que eu queria estar
no momento em que van gogh
sonhou perpetuar a noite

em arles:

se possível sozinho na primeira hora
e contigo para o resto do verão

15 de julho de 2007

tempo I


rosácea (roriz)
deixado cá por danielsg.
em volta do meu coração subitamente a eternidade
para que o teu afecto tenha tempo de me percorrer


in "o tempo mais breve" daniel gonçalves

sem título (no regresso a uma tarde na ponta do pargo)


ponta do pargo
deixado cá por danielsg.
tinha para te dizer uma ilha inteira de mistérios
maior que o precipício da distância
maior que o silêncio que me deixou as asas do lado de dentro do coração

tinha para te dizer uma palavra que talvez me conseguisse
devolver a boca

uma palavra que iniciasse o curso perdido da poesia
e me desse um pouco da paz recolhida nos teus olhos

10 de junho de 2007

sem título (por falta de palavras)


delicadeza
deixado cá por danielsg.


é uma bordado de silêncio
a delicadeza que embalas

é um encanto de silêncio
a criança que baptizas


(para o rodrigo)

28 de maio de 2007

22 de maio de 2007

palavras com klimt com palavras


danae por klimt
deixado cá por danielsg.
tão bela que és
no teu dançante sonho

tão bela que és
quando me atravessas
assim como uma tarde de luz

entreaberta à felicidade
do mundo

17 de maio de 2007

como a ler a imagem


poet flying
deixado cá por danielsg.
vou soltando a noite
com as flores
pétalas das palavras doces
com que te sonho

e o lugar onde chego
é este poema
o coração e o tempo
da felicidade

25 de abril de 2007

um poema com cartier bresson


Henri Cartier Bresson
deixado cá por danielsg.
um instante feliz (como num instante de cartier-bresson)
um instante de luz preso à bicicleta que acorda a manhã

sou eu que me prendo à retina das coisas transparentes
sou eu que reconheço os contornos das primeiras coisas

é a mim que se atam os diademas das palavras felizes
é a mim que a poesia vem dizer onde está a tristeza
para não voltarmos a essa casa a essa colina de sede

desde que encontrei a tua boca rescrevendo o tempo
um tempo que não há noutro lugar nem noutro afecto
como se soubesses a exacta medida em que se ama
ou por que asa se erguem os carinhos sobre o amor

um instante feliz asilado no ventre das nossas mãos
como uma moeda para pagar a felicidade do mundo

um instante de luz que nos compense da escuridão
com que os sonhos se lançam para os nossos olhos

17 de abril de 2007

dançando na voz da palavra (com degas)


degas
deixado cá por danielsg.
há palavras delicadas
e há a delicadeza do teu olhar

há palavras amorosas
e há o amor do teu coração

há palavras doces
e há a doçura do teu olhar

há palavras tantas palavras
para dizerem tanta coisa

e há o teu silêncio dançando
dançando a beleza do mundo


(para ti, beta)

14 de abril de 2007

van gogh e um detalhe esquecido


van gogh
deixado cá por danielsg.
esqueci-me de te dizer
como és bela
como és tão bela

com a amendoeira dos teus sonhos
a iluminar a tua boca

doce
tão doce

14 de março de 2007

o rumor do dia traz-nos as flores pelas janelas da casa
em breve todas as sombras escutarão o gosto da terra

2 de março de 2007

esquina do tempo (escrita agora)


esquina do tempo
deixado cá por danielsg.
parei neste instante para pensar
onde vou

o que está daquele lado do silêncio
para onde vou puxando as mesmíssimas palavras
de sempre

será que a chuva há-de ser a mesma
ou a tristeza põe-se ai de outro jeito?

1 de março de 2007

às 11 e 11 com rufus wainwright


rufus wainwright
deixado cá por danielsg.
Woke up this morning at 11:11
Woke up this morning and it wasnt in heaven
Those are the reason 'bout
Where I was sleeping but I was alive
I was alive
Woke up this morning at 11:11
John was half-naked and Lulu was crying
Over a baby
That'll never go crazy
But I was alive
And till the end of this world,
We'll all load in a dump truck of human
11:11

What else can I do,
What else can I do
Woke up this morning and
Something was burning
Realized that everything really
Does happen in Manhattan
Thoughts were of characters
And afternoons lying with you
And you were alive
Ohh, the hours we are seperate
11:11 is the precious time we wasted
So pack up your bleeding heart
And put away your posies
I don't want to have a drink
Or play ring around the rosie with you
Oh no, no

Ohh, the hours we are seperate
11:11 is the precious time we wasted
So let the blind fight the blind and see,
As the fall take over summer
Bringing the lattice roses
And as winter brings the spring rain
And to the end of this world,
We'll all load in a dump truck of human
11:11

26 de fevereiro de 2007


cascatas
deixado cá por danielsg.
traz o teu olhar agora que a primavera vem chegando
em breve as flores hão-de conceder-te um novo rosto

poema entrecortado com silêncio e outra coisa


ninho
deixado cá por danielsg.
esperei até que o sol se refizesse em todos os lugares
ou não houvesse mais conchas retidas no desanoitecer

perdi-me na formosa praia que respirava a última maré
levando os despojos de volta à mão fechada da procura

escutei uma música prevendo o subsilêncio da espera
senti um pássaro desenhando um poema na sua árvore
como se o chão o incentivasse com o peso das palavras

e as coisas tristes pereceram assim na sua fragilidade
as promessas e as mesas postas no sabor da ausência
as orações diluídas no vento um ritual alinhado em paz
tudo se perdeu em fio e só o sentido de luz se reergue

um momento levando uma lágrima perfeita no seu rosto
soprando o orvalho na suavidade do nosso amanhecer

um momento para voltarmos a pegar na raiz do coração
e caiarmos enfim as paredes para as nossas buganvílias

31 de janeiro de 2007


Felipe Monardes-Mena
deixado cá por danielsg.


se o amor é uma palavra é uma roseira esperando a tarde
se o amor é uma palavra é uma casa acordando as janelas

se o amor é uma palavra temos de lhe atar a nossa boca
e desenhar no seu coração a água que nos leva da terra

assim que percebemos a delicadeza dos nossos carinhos
quando sabemos que o horizonte se prende à nossa mão
e não há outro pensamento além do nosso sonho alado

quando ampliamos a sedição do tempo nos nossos ombros
ou estamos parados num instante à espera da eternidade
quando olhamos para a nossa sombra nos dorso da noite
e não há outra asa para nos unirmos à constelação da paz

quando sentimos os pássaros trazendo a primeira manhã
depois de termos amontoado as pedras do nosso cansaço

o amor é uma palavra porque está à espera deste carinho
deste arquipélago destas mãos deste sopro desta corrente


poema para JC

26 de janeiro de 2007


praia formosa
deixado cá por danielsg.

dez anos de solidão ou as horas todas desta vida de silêncio
para encontrar na profundeza da noite a cintilação da manhã

dez anos de solidão para silabar a poesia na luz das palavras
no mesmo carinho com que nos confiamos ao clarão do amor

dez anos de solidão com a boca atada ao cuidado da paz
com o corpo protegendo a delicada promissão do paraíso
com que cada verso se acende contra a inclinação do frio

dez anos de solidão para que me crescessem estas mãos
e houvesse buganvílias anulando a tristeza do fim da tarde
barcos com sonhos na proa e nas asas brancas das velas
levando ao último horizonte as pedras densas do cansaço

dez anos de solidão como uma casa erguida contra o tempo
onde cantasse a língua com as suas primaveras secretas

e fosse possível inventar um poema contra o esquecimento
ou o cume do inverno que é termos a morte à nossa espera


(para os que sabem o que é dez anos de solidão)

20 de janeiro de 2007


manet
deixado cá por danielsg.

a ti – só a ti – pertence o verso que falta em cada poema
em ti – só em ti – vi como o silêncio se apodera do sonho

18 de janeiro de 2007

poema com manet


13-1
deixado cá por danielsg.
agora que me cresceram as mãos e são elas a ternura
o frágil movimento de cor sobre um círculo de afectos

agora que a pele se dissolveu como uma voz à chuva
suspendendo na respiração as margens do firmamento

agora que a casa se musicou de um segredo inflamável
em cada imagem perfumada na doce seda das violetas
com a manhã crescendo no tear límpido de cada janela

toda esta maré desviada toda esta erosão desatenta
me parece agora tão nítida tão concreta tão pacífica
como se os gestos se adentrassem seguros no chão
escutando aquilo que achavam ser o pulso do tempo

agora que as palavras têm um carinho um rosto sereno
como os pássaros têm asas para um coração tão leve

acendo a pulsação transparente das pequenas coisas
e procuro o sonho a menina dos olhos do pensamento

15 de janeiro de 2007

verso(s) com foto de manuela vaz


manuela vaz
deixado cá por danielsg.

todos os dias se dilui velozmente a madrugada
será assim tão escassa a luz nas nossas vidas?

5 de janeiro de 2007

poema de amor com instante de bresson


bresson
partilhado por danielsg.


tenho um poema de amor declinado nos meus olhos
como uma transparência que emerge deste silêncio

um poema de amor que fala das coisas mais pequenas
as coisas que esperam que lhes doemos a nossa boca

estou à espera que repares na forma como te escuto
ou como te toco ou como te sinto rente aos sentidos
ou como me movo entre a tua luz entre as tuas mãos

estou à espera que encontres o coração deste poema
e sintas nele a perfumada vereda dos nossos afectos
a casa com as suas janelas alinhadas com os gerânios
e toda a delicadeza de um sonho acordado como a cal

porque eu sei que temos um lugar onde o anoitecer
é outra forma de recolher uma folha pacífica ao tempo

porque és tu quem me pega no olhar ao amanhecer
e me recolhe as primeiras palavras o primeiro poema

verso(s) com bresson


bresson
partilhado por danielsg.

quando for espírito ou palavra tranquila
flutuarei no coração da neblina

quando for nome de silêncio
crescerei como uma ilha
atravessada por uma ponte